Esta postagem é baseada em três postagens que eu realizei originalmente no Instagram:
- 1. Jesus Histórico (https://www.instagram.com/p/BuulZmRnOYK/);
- 2. O processo de abolição da escravidão no Brasil teve o negro como protagonista (https://www.instagram.com/p/Bv0yuHwn50n/);
- 3. Foi Golpe: Proclamação da República (https://www.instagram.com/p/Bw6Tq9zHjiw/).
- 4. A revolução dos cravos não teve Portugal como Protagonista (https://www.instagram.com/p/Btt_zGqHrjE/).
A partir destas postagens, buscamos a importância dos movimentos negros para diferentes situações políticas, desde o reconhecimento da representatividade religiosa, política e de demandas sociais dos mesmos.
Discutiremos então, a luta pela descolonização na África, Oriente Médio e no Brasil e suas implicações políticas de científicas sociais. Entendemos que é um texto aberto a muitas reflexões, e que segue uma linha teórica discutindo o antirracismo baseado em 4 discussões abertas anteriormente no Instagram.
Representatividade Negra no Mundo oriental e ocidental
Jesus Histórico: Esta postagem teve 46 curtidas e 39 comentários.
Nós Historiadores realizamos investigações em documentos, como uma das possibilidades de obter material empírico para pesquisa histórica. Documentos antigos, em grande quantidade, relatam a existência de um homem que modificou um pensamento no passado.
O Historiador e Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro André Chevitarese debateu em entrevista sobre as evidências que tornam Jesus Cristo um personagem Histórico:
"(...)A evidência mais segura que nós temos é de natureza teórica e metodológica, pois, quando se pensa em figuras históricas do passado, nós lançamos mão da metodologia da múltipla confirmação, isto é, quando diferentes autores que nunca se viram, nunca se leram, são capazes de afirmar coisas, falar coisas, citar palavras textuais de uma terceira, a probabilidade de esta terceira pessoa ter existido é muito grande. Então, o critério maior que aplicamos é cotejar documentos diferentes, de autores diferentes, de épocas diferentes, que nunca se conheceram, nem nunca se leram, mas que são capazes de falar coisas idênticas sobre essa terceira pessoa. Esse é o caso, por exemplo, de Paulo, de Marcos e de João. Estes são três autores que nunca se leram, que nunca se viram, que nunca se encontraram, mas que falam coisas sobre Jesus, citam palavras advindas de Jesus que coincidem em tudo. Então, nós podemos, do ponto de vista teórico e metodológico, dizer que Jesus existiu. Fora isso nós temos também todo o ambiente histórico e arqueológico de lugares nos quais se afirma Jesus ter passado, de ter, em algum momento da sua vida, de seu ministério, estado ali. Esses lugares se coadunam com o que a nossa documentação do século I afirma. Como evidências para o caso de Jesus não faltam, podemos dizer que ele é uma personagem histórica." CHEVITARESE, 2013.
Ou seja, o que torna Jesus Cristo um personagem investigado pela História, são as suas evidências em material escrito. E esse material do século I, é o que estudamos para questionar e tencionar quem é este personagem.
A Bíblia é um livro com diversas traduções ao longo de séculos, e sofreu edições do original. E no evangelho que temos acesso, não existe descrição física do personagem. Porque ele não seria com as características do homem que habitava o oriente médio na época?
Porém, nos questionamos sobre a perseguição e demonização histórica de religiões de matrizes africanas, em paralelo à Igreja Católica, e os cristãos europeus representa-lo como Branco.
Lutas de independência dos Negros contra a Europa Branca
Revolução dos Cravos não teve Portugal como Protagonista: Postagem teve 77 curtidas e 25 comentários.
A Revolução dos Cravos, evento que ocorreu em Portugal que depôs o Estado Novo e a ditadura de Salazar. Civis saíram nas ruas entregando Cravos vermelhos contra a ditadura (?).
Nós procuramos fontes, e trouxemos uma proposta para trabalhar com esse tema. Portugal ainda nos anos 1970 tinha colônias em Moçambique, Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde. Esses estados construíram ao longo do tempo, nacionalismos próprios e também reforçaram a resistência de suas culturas.
Nos anos 1970 entraram em Guerra (descolonização) contra o Estado português, e declararam as suas independências, e como consequência, Portugal investiu em Guerra, mesmo com crises mundiais acontecendo, como a do Petróleo e a instabilidade entre a URSS e países aliados de EUA e Reino Unido (Guerra Fria).
Os tratados de independência foram aceitos ao longo dos anos 1970, e assim, Guiné Bissau, Angola, Moçambique e Cabo Verde elegeram os seus primeiros presidentes, cada Estado (em ordem como na foto e aqui na descrição): Luis Cabral (1973-1980); Agostinho Neto (1975-1979), Samora Machel (1975-1986) e Aristides Maria Pereira (1975-1991) .
3 terminaram os seus mandatos de forma trágica. Cabral foi deposto por um golpe militar, Neto morreu por consequências de uma cirurgia no fígado e Samora em um acidente de avião. Aristides perdeu a presidência nas eleições de 1991.
É necessário que questionemos a História quando se trata de países colonizados e neocolonizados, porque há muitas informações que fazem as Histórias desses Estados se tornarem eurocêntricas, sendo que cada um deles tem construções distintas e próprias. É necessário observar a Revolução dos Cravos como uma das consequências a favor da saída de Portugal das Guerras de Descolonização, o que levou a independências desses estados, e não como um centro.
As demandas na Revolução dos Cravos além de serem contra a ditadura de Salazar, eram com fundo ao fim das Guerras na África, o que deu os processos de independência de Estados na África.
Sobre a luta anticolonial e uma das consequências a revolução dos cravos podemos observar o argumento em artgo de Historiador Lincoln Secco:
“(...)O movimento dos capitães foi produzido pela impossibilidade do exército português manter o esforço de guerra contra os grupos guerrilheiros de Angola, Guiné Bissau e Moçambique. E o desenvolvimento do processo revolucionário adquiriu cores socialistas, comunistas, social-democratas e maoístas, embora seu resultado seja a democracia liberal. A Revolução Portuguesa não nasce em Portugal. Ela é produto direto das lutas de povos da chamada África Portuguesa e do desgaste a que foi submetido o exército português naqueles três teatros de operação de guerra (Angola, em 1961; Guiné Bissau, em 1963; Moçambique, em 1964).”
O Historiador Muryatan Barbosa escreveu artigo sobre a descolonização e as tendências do ensino de história da áfrica contemporânea:
“(...)É certo que a formação intelectual dos jovens estudantes africanos nestas e outras universidades fora da África, assim como o ensino dirigido por professores europeus e estadunidenses no próprio continente, foi um fato condicionante do tipo de prática profissional que se estabeleceu entre os historiadores nativos, a partir da década de 1970. Todavia, apesar deste fato, o intento de descolonizar a História para projetar uma “verdadeira” História da África, segue sendo, aparentemente, um objetivo desta geração de historiadores africanos. Este também era um desejo confesso de muitos intelectuais estrangeiros que se dedicaram ao tema a partir da década de 1960. Os movimentos de Independência, neste sentido, foram, sem dúvida, os motivadores para a ampliação e difusão dos estudos africanos em todo o mundo.”
Representatividade Histórica e Política dos Negros no Brasil
O processo de abolição da escravidão no Brasil teve o negro como protagonista politico: 138 curtidas e 29 comentários.
A Abolição da escravidão no Brasil foi impulsionada pela resistência negra contra a imigração forçada da África. Essa resistência resultou na formação de quilombos e guerras, como a Revolta dos Malês na Bahia (1835) que exigiu o respeito a cultura muçulmana e abolição. Inúmeras revoltas de alcunho republicano durante o período imperial teve participação de pessoas negras. A Conjuração Baiana (1789) também tinha participação de ex-escravizados defendendo o o abolicionismo.
A base escravocrata do Brasil no passado, é o fundamento que temos para entender que o nosso País possui um racismo estrutural (ALMEIDA, 2018) já que a nossa sociedade historicamente sobrepõe brancos sobre os negros na pirâmide social.
A capoeira é resistência (AMARAL & SANTOS, 2015) uma forma de reagir à opressão dos brancos. Durante o século XVI até o fim do século XIX, a escravidão era legalizada. E quando temos movimentos que reagem contra-lei, temos uma desobediência civil.
Para Hannah Arendt, filósofa política alemã, a desobediência civil é caracterizada como movimento político. Olhando por essa esfera, a resistência negra no Brasil durante os séculos XVI e XIX, pode ser compreendida como luta por mudanças em leis, contra a escravidão, pela liberdade civil, e direito de terras, direito defendido pelo político e engenheiro negro André Rebouças (PEQUENO, 2017).
Com o bloqueio continental (1806) de Napoleão, o Reino Unido pressionou Portugal (também ameaçado) a assinar um acordo de mercado, ou “abertura dos portos às nações amigas”, fazendo o Brasil ser inundado de mercadorias inglesas. A Inglaterra tinha nessa época o liberalismo econômico "evoluído" na política.
Historiadores Tiago da Silva e Vanessa Silva descrevem que “(...)Com a Revolução Industrial, veio a necessidade de novos mercados consumidores. Assim, a Inglaterra não só proibiu o tráfico para suas colônias, como também pressionou os outros países a fazerem o mesmo.
O interesse na abolição no Brasil era grande, pois somente com mão de obra assalariada existiria um mercado consumidor para os produtos europeus.” O interesse do branco, político monarquista ou liberal com raiz europeia em abolir a escravidão, era transformar os escravos em consumidores e para isso, teriam que transformá-los em trabalhadores remunerados.
Portanto, a abolição da escravidão no Brasil, no fim do período monárquico (13 de maio de 1888) pode ser observada como um interesse de movimentos negros que utilizavam a resistência como desobediência. O interesse dos brancos, era transformar os escravos daquela época no que chamamos hoje de neoescravidão: Trabalho com jornadas de horários abusivas, sem regras e direitos básicos.
A Proclamação da República no Brasil e o conflito de interesses entre negros e brancos
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Proclamada a República no Brasil - As forças armadas se voltam contra a monarquia, e força D. Pedro II deixar o Brasil, pondo fim à Constituição Monárquica de 1824, e depois foi criada a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. De acordo com o cientista social Celso Castro em seu livro “A Proclamação da República”: “(...)o golpe de 1889 – ou “a proclamação da república”, como passou a História, foi um movimento chave no surgimento dos militares como protagonistas no cenário político brasileiro. A república então “proclamada” sempre esteve, em alguma medida, marcada por esse sinal de nascença (ou para muitos o pecado original). Havia muitos republicanos civis no final do império, mas eles estiveram praticamente ausentes na conspiração.” (CASTRO,2000; P. 8:9).
Ou seja, foi um golpe militar, aonde o exercito se aproveitou do enfraquecimento da monarquia e tomou o poder executivo a qualquer custo, sustentado pelos cafeicultores "coronéis" e ex-escravocratas, sem eleição de escolha parlamentar. Cabemos nos questionar quem era o exército no Brasil na época, uma vez que a base da sua formação foi lá na Guerra do Paraguai.
Conforme aponta o Doutor em Historia André Amaral de Toral em artigo sobre a formação do exército brasileiro na época: "A sorte dos escravos que lutaram na guerra do Paraguai se liga mais à questionável cidadania no Brasil e no Paraguai do que à questão de discriminação racial. O alistamento compulsório atingia igualmente o escravo, a população paraguaia e os pobres brasileiros. Os direitos individuais não existiam nem na monarquia constitucional escravocrata brasileira, nem na pretensa República paraguaia. Buscar algo de específico à condição negra copio característica principal na formação de exércitos e, portanto, das vítimas da guerra corresponde a uma demanda contemporânea sobre um contexto histórico que não responde a essas indagações." DE TORAL, 1995.P. 295.
O apoio da monarquia à politicas afirmativas para ex-escravos (que nunca foram aprovadas - de autoria de políticos negros como André Rebouças), também contribuíram para o enfraquecimento da monarquia para as elites que eram escravocratas até um ano antes do golpe em que se deu a Proclamação da República, praticado pelo alto escalão do exército, apoiado pelos cafeicultores, pondo fim a Constituição do período Imperial vigente.
Outras reflexões...
Muitas lutas no mundo tem participação de pessoas negras e da África, e deve ser sempre pesquisado e lembrado. As suas representações precisam ser buscadas e pensadas.
Devemos nos questionar também na atualidade sobre o não cumprimento da lei 10.699/2003. Muitas instituições em pleno 2020 não utilizam referenciais negros ou de origens africanas. Podemos questionar se o passado no mundo escravocrata não tenha contribuído para isso. Se você leitor sentiu falta de alguma referência negra, sugiro, acima de tudo a leitura do Pequeno Manual Antirracista de Djamilla Ribeiro, pois lá entendemos que despertar a consciência sobre quem faz a História e a cultura Brasileira, são negros que estão na linha de frente, e que são até hoje a maioria da população Brasileira e a maior população negra fora da África. Introduzir literaturas ou teóricos negros é o básico para despertar uma filosofia ou uma ciência antirracista.
E sobre quem estranhou a utilização de Hannah Arendt como referência para explicar que a desobediência civil é uma forma de defender historicamente demandas oprimidas, reflita como analogia acima das disputas de poder entre questões Históricas entre formação do Estado de Israel, os Estados Unidos da América e os povos islâmicos, aonde a filósofa estava do lado de brancos e judeus. Quando eu escrevi o texto originalmente na conta do Instagram (https://www.instagram.com/p/Bv0yuHwn50n/), a maioria das minhas disciplinas na faculdade ainda focavam em autores brancos... e Muita coisa precisamos rever no presente para caminharmos para uma precisa representatividade.
Precisamos abrir muitos debates para que a História seja contada ou ensinada no ponto de vista também da África e dos negros, afinal, por anos, os mesmos foram excluidos das ciencias, da educação, inclusive da História devido o racismo.
Referências:
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte (MG): Letramento 2018.
ARENDT, Hannah. Crises da República, Desobediência Civil. São Paulo: Perspectiva, 1973.
AMARAL, M. G. T. ; SANTOS, V. S. . Capoeira, herdeira da diáspora negra do Atlântico: de arte criminalizada a instrumento de educação e cidadania. Revista do Instituto de Estudos brasileiros, v. 62, p. 54-73, 2015.
ASTRO, Celso. A Proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.DEL PRIORE, Mary. O Castelo de Papel: uma história de Isabel de Bragança, princesa imperial do Brasil, e Gastão de Orléans, conde D’Eu. Rio de Janeiro: Rocco, 2013
BARBOSA, M. S. Eurocentrismo, História e História da África. Sankofa (São Paulo), [S. l.], v. 1, n. 1, p. 47-63, 2008. DOI: 10.11606/issn.1983-6023.sank.2008.88723. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/sankofa/article/view/88723. Acesso em: 20 nov. 2020.
CHEVITARESE, A. L.. Um Novo Olhar sobre o Jesus Histórico e o Paleocristianismo. Entrevista. Romanitas. Revista de Estudos Greco Latinos, v. 1, p. 1-10, 2013.
GOMES, Angela de Castro; FERREIRA, Marieta de Moraes. “Primeira República: um balanço historiográfico”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.2, nº 4, 1989.
MASCARO, Alysson Leandro. Crise e golpe. São Paulo: Boitempo, 2018.
PEQUENO, A. M. S.. 'O Negro André': a questão racial na vida e no pensamento d abolicionista André Rebouças. PLURAL (SÃO PAULO. ONLINE), v. 24, p. 242, 2017.
RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
SECCO, Lincoln. A Revolução dos Cravos: a dinâmica militar. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, v. 47, 2013.
SILVA, T. C.; SILVA, V. F.. O outro lado da Abolição: O envolvimento dos maçons e dos negros no processo de emancipação do trabalho escravo. Escritos (Fundação Casa de Rui Barbosa), 2010.
TORAL, André Amaral de. A participação dos negros escravos na guerra do Paraguai. Estud. av. , São Paulo, v. 9, n. 24, pág. 287-296, agosto de 1995. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141995000200015&lng=en&nrm=iso>. acesso em 20 de novembro de 2020. https://doi.org/10.1590/S0103-40141995000200015 .
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